quarta-feira, 18 de junho de 2025

VIOLÊNCIA EXTREMA NO BRASIL

 

O país precisa discutir com seriedade o tema da violência extrema, nos três níveis da federação, a fim de que políticas públicas sejam efetivadas visando à desradicalização e o combate aos crimes de ódio na internet.

Rodrigo dos Reis, Geógrafo, Jornalista e acadêmico em Direito.

O ambiente digital, embora tenha revolucionado a comunicação, tornou-se um vetor potente à propagação de discursos de ódio, radicalização e violência extrema, especialmente entre os jovens, em uma verdadeira crise multifacetada, que atinge grupos vulneráveis de forma desproporcional, a exigir soluções e respostas institucionais eficazes por parte do poder público, nos três níveis da federação.

Crianças e adolescentes têm sido alvos frequentes de aliciamentos e estímulos a comportamentos extremos, que se manifestam por meio do cyberbullying, disseminação do ódio e incitação à automutilação e ao suicídio. O ambiente escolar, espaço que deveria ser de proteção e aprendizado, também tem sido invadido por essas dinâmicas violentas, cujas redes sociais se tornaram catalisadoras de todas as formas de violência.

Plataformas como o TikTok e o Instagram são instrumentalizadas para disseminar discursos misóginos, antissemitas, LGBTfóbicos e racistas. Estudos, nesse sentido, evidenciam que algoritmos atuam como aceleradores da radicalização: após interações mínimas com conteúdos motivacionais, usuários passam a receber fluxos de conteúdos de ódio, em que mulheres, judeus, negros e LGBT são os principais alvos.

A série britânica “Adolescência” mostrou como os jovens estão interagindo na internet de maneira codificada, muitas vezes sem supervisão e com acesso a conteúdos que moldam percepções misóginas e autoritárias. Soma-se a isso a existência de fóruns “incel” (involuntariamente celibatários), espaços em que se reproduzem e reforçam ideias violentas sobre o papel das mulheres na sociedade, frequentemente resultando em ataques misóginos explícitos.

Dados recentes revelam um crescimento preocupante de conteúdos que promovem o desprezo, a inferiorização e a violência contra mulheres, disseminados por meio de algoritmos que favorecem a radicalização de ideias, sobretudo entre os jovens.

Pesquisa conduzida pela University College London e a Universidade de Kent confirma que os algoritmos do TikTok estão normalizando discursos de ódio contra mulheres entre os adolescentes. Basta que um jovem assista a alguns vídeos com conteúdo misógino para que seu feed seja inundado com conteúdos semelhantes, num processo que retroalimenta a violência.

Nos Estados Unidos, mais de 40 procuradores-gerais estaduais estão investigando a rede social TokTok por danos à saúde mental dos adolescentes, o que demonstra uma preocupação global para minimizar sequelas causadas pelo uso irregular das plataformas digitais entre os jovens.

Recentemente, o Brasil editou a Lei nº 15.100/2025, proibindo o uso de celulares nas escolas, destacando a relação entre a queda no desempenho escolar e a utilização de aparelhos celulares. Entretanto, sabe-se que a queda no desempenho escolar é somente a ponta do iceberg, pois o uso das redes sociais para ataques virtuais, cyberbullying, destruição da existência e reputação de pessoas em fase de desenvolvimento tornou-se uma realidade no país.

Exemplo disso é a prática do estupro virtualcujos alvos mais frequentes são meninas adolescentes. Diante desse contexto, é crucial que o Estado brasileiro discuta o tema com a devida preocupação, especialmente sobre como esses crimes ocorrem nas internet e quais medidas podem ser adotadas para evitá-los.

A vulnerabilidade, sobretudo de adolescentes, tem sido documentada por pesquisas que revelam que mulheres sofrem violências simbólicas e institucionais que se manifestam por meio de xingamentos, humilhações, exposição pública de suas imagens, práticas de silenciamento e hostilidade ao seu engajamento político e social. Muitas dessas violências têm origem em espaços escolares e se amplificam nas redes sociais, onde a cultura do ódio encontra terreno fértil.

Estatísticas da SaferNet revelam que o TikTok figura entre os 10 domínios mais denunciados por violência ou discriminação contra mulheres desde 2020, liderando denúncias em 2021 e 2022. O relatório aponta que discursos misóginos ganham ares de “verdades que ninguém de conta”, mascarando sua natureza violenta e contribuindo para a aceitação social do machismo e da misoginia.

Por sua vez, dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024 reforçam que o TikTok está entre as redes mais utilizadas por crianças e adolescentes brasileiros: 93% dos adolescentes entre 11 e 17 anos acessam a internet pelo celular e 69% afirmam usar o TikTok, sendo a rede social uma das principais fontes de informação, entretenimento e formação de identidade na juventude. Dentre os adolescentes que viram vídeos de ódio, 46% afirmaram ter assistido a conteúdos misóginos.

A proposta de CPI da Deputada Federal Maria do Rosário surge em meio a essa escalada vertiginosa dos crimes digitais envolvendo adolescentes no Brasil, especialmente mulheres, cujo requerimento recebeu apoio de partidos políticos de direita e foi protocolado com 176 assinaturas de parlamentares. No entanto, a proposta precisa ser colocada em votação pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

O antissemitismo também é outra preocupação, uma vez que relatório da Confederação Israelita no Brasil aponta que denúncias de práticas antissemitas cresceram 350% entre 2022 e 2024. Para se ter ideia, só no ano passado, 73% de todas as denúncias ocorreram no ambiente digital. As redes sociais X (48%) e Instagram (37%) continuam sendo as principais plataformas dos casos de intolerância contra os judeus. São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul concentram cerca de 40% de todas as denúncias registradas no país, disposição territorial que vem se repetindo pelo menos desde 2023.

Mapa

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Muito embora dados atuais apontem para uma queda constante dos casos de antissemitismo registrados, não se pode ignorar o fato de que o Brasil é a segunda maior comunidade judaica da América Latina, onde São Paulo (1º), Rio de Janeiro (2º) e Porto Alegre (3º) são as capitais brasileiras com a maior concentração de judeus. Numa situação de guerra, que tem gerado grande repercussão social, a tendência é a potencialização dos extremismos, não raro culminando em atos de violência extrema.

Em média, o Brasil registrou em torno de 30 a 40 mil comentários e declarações sobre a guerra nas redes sociais, entre 2024 e 2025, segundo dados da Conib, cujo monitoramento é registrado em relatórios diários e busca compreender como o atual conflito entre Israel e o Hamas tem impactado o comportamento antissemita no cenário digital brasileiro, panorama que tende a se agravar com a escalada do conflito envolvendo Irã.

A violência contra a população negra é outra infeliz realidade no Brasil. De acordo com o Atlas da Violência de 2024, pessoas negras são a maioria das vítimas de homicídio. Os dados mostram que quarenta e seis mil, quatrocentas e nove pessoas negras (46.409) foram vítimas de homicídio só em 2022. É fato que a violência contra pessoas negras, no recorte da segurança pública, indica a existência de um padrão recorrente de tratamento diferenciado, fenômeno explicado pela teoria do labllabeling approach ou do etiquetamento social.

Os dados atualizados do Atlas da Violência 2025, referenciando taxas de homicídios de pessoas negras e não negras entre os anos de 2013 e 2023, apontam para um retrato da persistente desigualdade racial na violência letal no país. Ainda que os dados indiquem tendência à redução dos homicídios, essa dinâmica não se distribui de forma equânime entre os grupos de pessoas negras e não negras.

O problema da violência contra a população negra é estrutural. Evidência disso é o indicador Índice de Vulnerabilidade da Juventude Negra (IVJ-N) 2024, desenvolvido pela UNESCO e pelo FBSP, para medir a vulnerabilidade dos jovens brasileiros à violência. Mesmo considerando outras dimensões, para além do sistema de segurança pública e de justiça criminal, os dados mostram uma persistência sistêmica: esferas de políticas públicas, envolvendo direitos sociais, ainda não conseguem proteger a juventude negra no mesmo patamar que a juventude branca, o que indica um padrão de vulnerabilidade à violência suportado e dirigido aos jovens negros, que historicamente tem escapado do alcance da ação do Poder Público.

Relativamente à população LGBTQIAPN+, os dados de 2025 indicam um aumento persistente nos registros de casos de violência. Só de 2022 para 2023, os casos de violência contra homossexuais e bissexuais registrados no sistema de saúde aumentaram 35%, enquanto os casos de violência contra pessoas transsexuais e travestis aumentaram em 43%. Quando se analisa a série histórica de 2014 a 2023, o quadro é ainda mais assustador, sobretudo entre os jovens.

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Portanto, o fenômeno da violência é complexo e multifacetado, retrato de um país plural, que demanda respostas institucionais à altura de todos os entes federados. Em contextos nos quais as instituições falham em acolher, proteger e valorizar subjetividades, muitos adolescentes passam a buscar em grupos extremistas o espaço de escuta, identidade, pertencimento e reconhecimento, segundo o cientista político e economista Dominique Sopo, professor da Sorbonne e presidente da associação SOS Racismo na França.

A articulação do poder público e parcerias com universidades para produção de dados e capacitação de órgãos públicos, como CT, CRAS, CREAS, CAPS, Profissionais da Saúde e Sistema de Segurança Pública, a fim de que estejam preparados para o enfrentamento da violência extrema, são fundamentais e necessárias. Só assim se dará concretude às disposições da Lei nº 14.643/2023 e às finalidades do Sistema Nacional de Acompanhamento e Combate à Violência nas Escolas (SNAVE), instituído pelo Decreto nº 12.006/2024.